No dia em que o Presidente angolano (não nominalmente eleito), João Lourenço, completa três anos de mandato, duas manifestações tomaram algumas artérias de Luanda em protesto contra a alta taxa de desemprego no país e a burla (mais uma) Build Angola em que alegam estarem envolvidos gestores públicos angolanos (coisa estanha, não é?) e valores superiores a 200 milhões de dólares.
No dia 25 Maio de 2017, o então cabeça-de-lista do MPLA (partido que “só” desgoverna Angola desde 1975) às eleições gerais de 23 de Agosto, João Lourenço, prometeu uma governação oposta à que o seu partido, do qual era ministro, pratica desde que chegou ao Poder: “transparente” e “menos burocrática”.
O então candidato, general, ministro e vice-presidente do MPLA falava em Luanda, durante um encontro de auscultação que manteve com os empresários angolanos, durante o qual aludiu à necessidade de “coabitação e complementaridade entre investidores nacionais e externos”.
“Vamos criar o ambiente adequado para que este sonho seja realidade, através de uma governação transparente, com menos burocracia na aprovação dos projectos privados, com maior agilidade na concessão de vistos para turistas e homens de negócios, no combate à corrupção e de outras práticas menos lícitas que afugentam o investidor, prejudicam o Estado e o pacato cidadão contribuinte fiscal”, assegurou João Lourenço, o homem escolhido para presidente por quem personificou – entre outras criminosas práticas – a corrupção no país: José Eduardo dos Santos.
“Aumentar de forma rápida e sustentada a produção de bens e serviços, sobretudo nos produtos da cesta básica e de outros produtos essenciais para o consumo interno e para exportação é um desafio que convido todos os empresários pequenos, médios e grandes a enfrentar”, observou João Lourenço, certamente alheio ao facto de Angola ter 20 milhões de pobres, ser um dos países mais corruptos do mundo e um dos países com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
De acordo com João Lourenço, era preciso reduzir consideravelmente a grande pressão sobre as divisas do país, uma preocupação para os empresários, que não conseguem importar por exemplo matéria-prima.
Por outras palavras, João Lourenço continuava a prometer (até agora nada mais do que isso) fazer nos próximos anos o que o seu partido, durante 38 anos liderado pelo mesmo camarada (José Eduardo dos Santos)., nunca fez. Tais afirmações, se feitas num Estado de Direito Democrático, significariam que estaria a confirmar um crime cometido por quem dirigiu o país. Mas como é em Angola…
A melhoria do ambiente de negócios e o relançamento da produção nacional, defendeu João Lourenço, passam por um investimento público em infra-estruturas básicas e indispensáveis. Sim? Quem diria? Pelos vistos, para além de pedras valiosas (diamantes) João Lourenço descobriu também uma mina de pedras… filosofais.
“Para o aumento da produção e distribuição de energia e águas, a expansão e melhoramento das redes de estradas e caminhos-de-ferro, a melhor gestão de portos e aeroportos de modo a melhor servirem a economia nacional”, sustentava João Lourenço numa versão mais “soft” da sua habitual enciclopédia de anedotas.
Perante dezenas de empresários, João Lourenço afirmou que o apoio e fomento das pequenas empresas iria merecer uma atenção especial, “como célula base do tecido empresarial e responsável pela criação da riqueza e emprego nas localidades e nos municípios”.
“Não perderemos de vista também a necessidade de ver surgir grandes conglomerados de empresários nacionais que venham assumir, num futuro que se quer para breve, a responsabilidade da elaboração do estudo, projectos e execução das empreitadas das grandes obras públicas do Estado, como estradas, pontes, portos e aeroportos, caminhos-de-ferro, barragens hidroeléctricas e outros”, apontou.
Só ficou a faltar dizer, embora conste certamente do manual de promessas, que poderemos contar em breve com uma base aeroespacial (responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e programas de exploração espacial), bem como com a chegada do Oceano Atlântico ao Moxico que incluirá a construção na cidade do Luena de uma fábrica de submarinos.
João Lourenço exortou igualmente a banca comercial a actuar como “credora do empresariado nacional”, alertando para a necessidade de o país ter bancos fortes e “com as melhores práticas e respeito dos padrões internacionais de ‘compliance’” e fomentando o combate ao “branqueamento de capitais”. Branqueamento que será banido com a construção, no Futungo, de uma fábrica de… lixívia.
“É evidente que esses padrões não se alcançam em um dia, o importante é a vontade de darmos passos seguros nesta direcção buscando se necessário o aconselhamento técnico de instituições internacionais credíveis”, disse João Lourenço perante a presença, em espírito, do seu então patrono e patrão José Eduardo dos Santos, entretanto… despedido.
Entretanto… três anos depois há quem diga que o processo contra Isabel dos Santos pode ser “fait-divers” para esconder a miséria em que sobrevivem os angolanos. Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para esconder o estrondoso falhanço da economia angolana? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é. Pode ser para vender gato por lebre aos investidores estrangeiros? Há quem diga que pode. Nós dizemos que é.
“Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saitam do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”, afirmou em tempos o economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda, Manuel Alves da Rocha, que agora integra o recentemente criado Conselho Económico e Social.
Manuel Alves da Rocha considerava que o processo de arresto de bens da empresária Isabel dos Santos pode ser uma distracção, face à “situação de miséria” que Angola está a atravessar. Ele diz (dizia) que pode. Nós dizemos que é.
“Não sei até que ponto é que este processo de arresto dos bens de Isabel dos Santos não teve a intenção de, de certa maneira, ser um ‘fait-divers’ relativamente à grande crise económica e social que Angola vive”, disse o director do Centro de Estudos e Investigação Científica, da Universidade Católica de Luanda.
Questionado sobre o que está em causa no arresto de bens da empresária, do marido e de um seu colaborador português, no valor de 1,1 mil milhões de dólares, Alves da Rocha disse: “Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo”.
Ao falar-se de 1.100 milhões de dólares (987 milhões de euros), “que foi o valor que foi atribuído sem se perceber como, evidentemente que isso é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia angolana e nas necessidades de investimento na diversificação”, defendeu o professor universitário.
“O arresto de bens na luta contra a corrupção é uma maneira relativamente enviesada, já me perguntei se haverá outras razões que levem o Presidente João Lourenço a focalizar-se na família, parental e política de José Eduardo dos Santos”, afirmou o economista. Certamente que agora, fazendo parte do Conselho Económico e Social, merecerá uma erudita explicação por parte do Presidente.
Há, com certeza, outras, muitas outras razões. É que enquanto se fala do arresto e sucedâneos ninguém pergunta, ou recorda, que João Lourenço deveria prestar contas do seu património, deveria explicar em quantos milhões a Sonangol sempre financiou as campanhas eleitorais do MPLA, incluindo aquela em que o próprio João Lourenço foi “eleito”.
Instado a aprofundar a ideia, Alves da Rocha acrescentou: “Há razões políticas, ele pretende posicionar-se dentro do partido com força e já há análises feitas que dão conta de discrepância sobre o poder que João Lourenço tem no Governo e o poder que tem no MPLA, que são poderes desequilibrados, mas haverá seguramente outras razões, não estritamente políticas, mas pessoais, sobre situações que aconteceram entre os dois”.
Pelos vistos existem dois cidadãos com o mesmo nome: João Manuel Gonçalves Lourenço. Um sempre foi um homem do sistema, do regime: Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; Deputado na Assembleia do Povo; Chefe da Direcção Política Nacional das FAPLA; Secretário da Informação do MPLA; Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; Secretário-geral do MPLA; Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; Vice-presidente da Assembleia Nacional; Vice-presidente do MPLA; Ministro da Defesa.
O outro é o actual Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Presidente da República, que chegou a Angola há pouco mais de três anos com a nobre, emblemática e divina missão de nos levar para o paraíso…
Comentando a actual situação política em Angola, Alves da Rocha defendeu que “o Presidente João Lourenço, de alguma maneira, tem vindo a perder algum apoio popular porque representou a mudança, uma nova organização da economia e da sociedade, só que os resultados não estão a aparecer”.
“As vozes de alguns ministros que dizem que as coisas não acontecem da noite para o dia, e que as reformas precisam de tempo, é verdade, mas será que as reformas vão no sentido correcto?”, questionou o académico.
Para Alves da Rocha, “o acordo com o Fundo Monetário Internacional não é o acordo de que Angola necessita para resolver os problemas económicos, promover a diversificação, atrair investimento estrangeiro e simultaneamente aliviar as tremendas carências sociais na saúde, na educação, nos rendimentos, no emprego, que a população tem”.
Angola, lembrou, está em recessão desde 2015, “e isso tem reflexos profundos sobre a situação social do país e não vemos, para os próximos tempos, a possibilidade de se alterar este percurso decrescente da economia nacional, não só pela evolução do petróleo, mas sobretudo pela falta de reformas que Angola devia ter encetado com dinamismo e persistência” ainda durante a governação de José Eduardo dos Santos.
O anterior Presidente, acusou, “promoveu o facilitismo, promoveu a acumulação de riqueza e agora estamos aflitos sobre a maneira de reverter isto, e não é com o FMI que Angola reencontra o caminho de crescimento económico sustentável”.